15 março 2006

Nada nunca é demais ( Ilustração concluída por Angel de Franganillo)

Ariel é um dos príncipes de Havana Velha. Príncipe de rua, um dos homens mais bem relacionados e conectados da cidade antiga de Havana. Ali há muitos vícios. Sexo, jogo a dinheiro e cocaína existem a rodos. Havana Velha é um grande centro de partilha sensorial e de trocas comerciais paralelas. As raparigas vendem o corpo em troca de roupa nova, enquanto eles se deitam com as turistas que procuram corpos negros musculados em troca de dinheiro vivo na mão. Há que fazer pela vida. Quem se safa melhor, quem tem os melhores contactos, quem é solicitado e respeitado pelos seus pares dentro do bairro, é um Príncipe. Vi pela primeira vez esta expressão num livro do escritor Pedro Juan Gutierrez e percebi que o Ariel encaixava na definição. Ariel era um ‘jinetero’ – expressão cubana para quem se prostitui com turistas, só com turistas - e um dos homens mais encantadores que conheci na vida. Cobiçado pela sua beleza, era requisitado para figuração de cinema, convidado para ser manequim em agências internacionais e várias turistas quiseram casar com ele. Recusou sempre, dizia que até podia casar com uma turista pra sair de Cuba, mas não com uma qualquer. Éramos grandes amigos. Ele não admitia ser jinetero, de facto era um Príncipe.
Comecei a ler a «Trilogia Suja de Havana» duas semanas antes de viajar para Cuba e fiquei escandalizada com as palavras que Pedro Juan Gutierrez punha na boca das personagens. Mas rapidamente percebi que os cubanos são de facto vulgarmente eróticos a falar, ou eroticamente vulgares, como preferirem. Aquela gente transpira sexo e Havana Velha - onde eu vivia - é um quase-bordel em forma de bairro popular.
Certo dia Ariel contou-me, ainda perdido de riso:
- Não imaginas o que vi no caminho até aqui, ia a passar em frente ao D. Giovanni e está um homem de bicicleta encostada num arbusto, meio tapado pelo arbusto a masturbar-se! A masturbar-se! Às 3 da tarde! O homem pára a bicicleta no meio da rua, encosta-se a umas ervas altas e começa a bater uma? Só depois é que percebi, no muro em frente estava um casal a fazer sexo e o homem passou-se, ficou ali a 20 metros deles a masturbar-se!
Eu desmanchei-me a rir e falei-lhe das cenas que Pedro Juan descreve nos livros, todas deste género e qual delas a mais inacreditável. Fiquei cheia de inveja, ao fim de 2 meses ainda não tinha presenciado nada gritantemente surpreendente, além da forma insólita como eles ali fumam charros, pelo nariz.
Mas alguns dias mais tarde contei eu uma história ao Ariel. À noite, estava à porta de casa do meu namorado, Django, no bairro da Ciudad Deportiva. Conversávamos ao portão com o amigo que nos tinha dado boleia depois do jantar e de repente ficamos em silêncio, parados a olhar para o Cadillac anos 50 que passava à nossa frente a 20 km/h. A música tocava alto, os vidros completamente rebaixados e lá dentro 3 silhuetas: dois homens na frente a rir à gargalhada e de garrafa de rum na mão, e uma mulata atrás, toda debruçada nos bancos da frente, de coxas ao léu, blusinha e cuequinhas minúsculas sem mais nada por cima do corpo. Ficámos só a olhar e nenhum de nós foi capaz de dizer fosse o que fosse durante um bom tempo. Só me passava pela cabeça que queria estar no lugar dela, e de certeza que eles queriam estar sentados naquele banco da frente.

Carla Isidoro,32 anos
Jornalista

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