13 março 2006

10 donuts - Ilustração concluída por rui[lúcio]carvalho

Tinha que ir buscar a minha mãe. Era cedo, mas o trânsito em Toronto já estava caótico e não perdi tempo a tomar o pequeno-almoço. Entre ir do hotel à casa dela e chegar à autoestrada passaram uns bons 125 minutos, que é como quem diz 2 horas e cinco, que a a minha mãe não é mulher para me deixar queimar sinais vermelhos nem fingir que não vejo um traseunte a tentar atravessar estrada, por muito atrasados que já estivéssemos.
Fome, estava cheio de fome.
“Mãe, vou parar 5 minutos na próxima estação de serviço para comprar um café e um donut. Quer alguma coisa?”
“Traz-me um donut também. E um capuccino, se fazes favor. E não te demores que o tio está espera”, disse ela.
Quando entrei no coffee shop da estação de serviço estavam 3 pessoas à minha frente e as mesas razoavelmente cheias. A senhora ao balcão parecia eficiente, não ia demorar-me muito.
“ Bom dia. Quero um café, black, no sugar, um capuccino e 2 donuts”.
A senhora apontou para um pequeno cartaz sobre a prateleira dos donuts e disse:
“Só vendemos 10 donuts”.
“10 donuts? Mas eu só quero dois. Não pode vender-me só 2?”
“Não. Desculpe mas só posso vender 10 donuts”
“Mas os donuts não vêm em packs, porque é que só pode vender-me 10 donuts? E que raio de número é esse? Porque não 6 ou 12? Porque 10?”
A senhora, que continuava a parecer eficiente, retorquiu imperturbável:
“Lamento, mas são as regras da casa. Só posso vender-lhe 10 donuts. 10 donuts, 2 dólares”.
Não me parecia que ela fosse mudar de ideias, por isso suspirei e disse:
“Ok, então levo 10 donuts, um café, black, no sugar e um capuccino”.
A senhora dirigiu-se à prateleira dos donuts, pegou num saco de papel e começou a enche-lo. Depois parou. Sem largar o saco, chegou novamente ao pé de mim e disse com ar compungido:
“ Peço desculpa mas não lhe posso vender os donuts. Só tenho 9. Quer escolher outra coisa?”
“O quê???? Não me pode vender os donuts porque só tem 9?
“Exacto, só tenho 9 donuts. Vai ter de escolher outra coisa”.
Por esta altura a fila atrás de mim já tinha crescido e tanto e as pessoas nas mesas começavam a prestar atenção à conversa.
“Não quero outra coisa, quero donuts. Aliás só quero 2 donuts. Venda-me 2 donuts já que não tem 10”.
“Não posso, regras da casa. Só posso vender 10 unidades”.
Fuck. Aquela conversa estava a passar os limites do bom senso, o tempo a passar, a mãe no carro, o tio à espera e a fome quase a ultrapassar aquela barreira que nos diz que afinal não já não queremos comer nada.
“10 unidades? Disse 10 unidades?”
“Exacto, 10 unidades”
“Ok”, disse eu já com saliva de raiva ao canto dos lábios, “Ok, passe-me o saco, se faz favor”.
Ela passou-me o saco com ar interrogativo (e ainda eficiente).
Peguei no saco e despejei-o sobre o balcão.
“Uma unidade”, disse eu colocando um donut dentro do saco, “Duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito”.
Peguei no nono donut e parti-o ao meio. “Nove, dez. Dez unidades. Está bem assim? Posso pagar?”
A sala encheu-se de gargalhadas e do meio delas surgiu a voz da senhora, vendedora de balcão encartada, habituada a lidar com as excêntricidades de clientes estúpidos e teimosos como eu.
“10 unidades, 1 café e um capuccino. São 3 dólares e 50”.
Paguei, destribuí sete donuts pelas mesas no caminho até à porta, saí e entrei no carro.
“Michael, porque é que demoraste tanto tempo a comprar 2 donuts e 2 cafés? Estamos muito atrasados filho”.
O sabor daquele donut foi qualquer coisa entre euforia e frustação. Mas comi-o todo e lambi os dedos.

Tita Martins, 41 anos
Account Director

1 comentário:

Anónimo disse...

lindo!!!
ele há cada incongruência...